Dec 5, 2010

Alguns conseguem...ser anônimos

                                                                                                                                                  solarider
Beira a utopia falar em anonimato, considerando que a própria existência já demanda uma afirmação, uma explicação autoral – filho de quem, primo daquele, bastardo do outro.  Mesmo que não lhe deem um nome próprio, sempre vão lhe chamar de alguma coisa: ser humano, bebê e em última escala, brasileiro. Mas não vamos desistir do assunto.

Entre muitas questões, a que mais parece sem resposta é quando se quer e quando não se quer aparecer. O “ser ou não ser” da nossa época está mais ligado ao sentido de assumir, de se tornar público. Uma aplicação do problema está no contexto cultural. Muito antes da discussão do direito financeiro do autor, há um problema relativo ao “ego” em torno da paternidade ou maternidade de um produto. Uma obra de arte, por exemplo, depende muitas vezes do nome do seu autor para que a sua própria exposição aconteça, a obra anônima tende a ser considerada mais como um artesanato.

Seja como for, em tempos em que o pensamento está em rede e a cultura está cada vez mais ligada ao ciberespaço, é próprio pensar se há espaço para todos se revelarem ou se todos estão comprimidos num mesmo espaço. O antropólogo Pierre Levy pensa que se por um lado tivemos um século (XX) em que a individualidade amadureceu e os direitos civis fizeram que cada um pudesse ser quem é sem prejuízos, por outro, a conectividade acaba destruindo as “estrelas solitárias” e transformando tudo numa “inteligência coletiva”, todos,que pensam ser diferentes, fazem e são a mesma coisa: anônimos.

Vamos aqui entender o anonimato não como uma tentativa de não estar, mas de esta mas não ser visto, aparecer. É uma discussão interessante, especialmente com muitos paradoxos dentro da “galáxia da internet”, conceito de Manuel Castells. Ver seu nome aparecer num mecanismo de busca não é ser famoso, mas também não caracteriza o extremo anonimato.  No mundo real, é tentador confundir o anonimato e a solidão, ambos são ethos próprios das grandes cidades. Há um outro lado, o de poder ser vítima da micro notoriedade, o famoso “nome sujo”. Seja ao “aprontar” com o Estado, tornando-se um criminoso, seja cometendo pequenos vexames morais e sexuais, expondo-se ao deleite e à crítica da nossa própria família. Neste caso, vivemos numa grande falácia, num mundo que cada vez mais nos controla e menos nos reconhece na nossa individualidade.  

Sep 27, 2010

Alguns conseguem...herdar

Rainha Victoria (1819-1901) Um dos raros exemplos felizes de herança no poder.


Tenho certa implicância com quem herda. Herdar é uma palavra muito ampla, que vai desde a parte legal da coisa – herdar dinheiro, por exemplo – até quando se recebe hábitos, traços e manias dos outros. Desde sempre, a herança é vista com desdém, especialmente por quem não herda nada, ou acha que não.

Mas a minha birra com quem herda está mais relacionada à ética. Herdar demanda um certo conjunto de princípios que poucos possuem. A modéstia e a capacidade de ocultar, esconder a origem daquilo que se ganhou. A herança é legítima?Nem sempre. Existe o “golpe do baú” para dizer que não, existe a nossa própria cara para denunciar o recebimento involuntário dos nossos pais, talvez a única herança automática, a biológica.

Isso nos faz pensar sobre o direito de herança. Se por um lado, herdamos sem querer, por outro queremos ter esse direito. Queremos herdar o capital, seja ele simbólico, afetivo ou material e herdar como agente ativo é a mais interessante forma de receber algo, é querer e às vezes merecer aquilo.

Herdar é sempre ilegítimo? Se estivermos falando do capital material transformado em dinheiro é sim. Ou até sermos nós próprios os herdeiros. Se alguém deposita um milhão de reais na sua conta e diz que é seu, haverás de recusar? Com toda certeza não. Os menos corajosos podem até perguntar a sua origem, mas devolver, jamais. Apenas a herança dos outros deve ser abolida. Que o diga, nossa quase futura presidente, Dilma Rousseff.

Aug 1, 2010

Alguns conseguem...pertencer


Admiro os que sabem pertencer. Os que ouvem, calam, sorriem e seguem – nesta ordem. Comportar-se bem é um dom não só de interpretação, mas de auto controle. É uma catarse ao contrário. Não contestar é, além de uma boa técnica de sobrevivência, uma forma de liberdade.

Algumas palavras nos remetem ao sentimento de submissão: o bairro, a escola, a igreja, o grupo, a sociedade. O óbvio é estar dentro e não fora. É humano estar repetindo os seus semelhantes e anti-humano não reproduzir o sistema.

O outro lado da história é a teimosia, a necessidade de ir contra. Não a revolução – que é um ode à uma outra igualdade – mas a desobediência solitária passível de punição. É não estar feliz quando todos estão sorrindo, mas fazer sorrir de constrangimento, estar feliz com a transgressão e não com a afirmação de valores. Utopia? Talvez. Mesmo os mais singulares seres com o tempo cederam ao que é convencional.

Os artistas tradicionalmente são bons exemplos para os maus exemplos. A arte é em si uma tentativa de fuga. O desafio é compreender quando ela é de fato um grito sincero ou mais uma voz de um coro. Esse tipo de entendimento vai muito de cada pessoa e cabe à crítica nos conscientizar do todo. O problema é que a própria crítica também está dentro de um círculo, assim como os anarquistas, punks, os flaneurs, os loucos, os índios e todos aqueles que acreditam estarem sozinhos neste mundo. Paga-se um preço alto por não se pertencer, o preço da não existência.

Jul 18, 2010

Alguns conseguem...ressignificar


Desde a popularização das chamadas “redes sociais”, assistimos intensos movimentos de “arqueologia sentimental” entre os seus participantes. Especialmente para quem chega, procurar ex-amigos, ex-namorados(as), ex-professores e até ex-desafetos é quase um caminho natural. Importante é fazer a “máquina do tempo” funcionar, construir uma ponte da nossa pré-história até o ontem.

Longe de ser um mérito do Facebook ou do Orkut, desde sempre, “até as pedras se encontram” como diz o ditado. Gerenciar pessoas cujo significado esvaiu-se com as folhas do calendário é mais uma questão de coragem do que de indiferença.

O apego ao passado pode ser justificado de várias maneiras. Não podendo entrar em todas agora, poderíamos citar a própria cultura do “bairro” como uma das motivadoras. Viver numa comunidade nos deixa com um robusto senso de eu e reviver isso, é um conforto ao sempre sombrio presente.

Por outro lado, há um traço de decadência e mediocridade neste apego. A tentativa de resgatar as experiências passadas como se faz com os “fósseis” soa como um casulo provinciano, do qual, nós, pessoas livres, temos que escapar.

Nada contra ao que aconteceu no passado, o que se deve combater é que através de pessoas que fizeram partes do "ser anterior", justifiquemos a nossa inatividade e a inutilidade de velhos amigos que por questões infantis, os trazemos à tona, como bandeiras de uma causa perdida.

Jul 10, 2010

Alguns conseguem...viver o seu espírito

Robert Judd - Bewusstein, 1610.

Uma das questões pouco faladas na literatura de nosso tempo é o pensar. Esse gesto individual e secreto de organizar o que se passa na nossa cabeça, elaborando uma resposta que faça sentido para nós mesmos e em seguida para os outros. À essa convivência íntima, que inclui não só o pensamento, mas as emoções e seus derivados é que damos o nome de espírito.

No Latim, a palavra vem de “spiritus”, que significa respiração ou sopro. “O sopro da vida”, “Espírito de porco”, “Pobre de espírito”. Inúmeras vezes temos o conceito de “espírito” misturado com o de “alma”. Filósofos explicam que, um dos desafios de se pensar o espírito hoje é a própria educação judaico-cristã a qual estamos submetidos. Nela, a alma (que é de Deus), está em todos os lugares, inclusive no que chamamos de intelecto: impedindo automaticamente de nos imaginar seres autônomos, cada qual com o seu espírito individual e não dentro dessa amálgama moral.

Hannah Arendt escreveu “A vida do espírito”. Coletânea que em três volumes reflete sobre o tema a partir de grandes ações humanas: o querer, o pensar e o julgar. A obra - incompleta, pois a autora faleceu durante a escrita - nos faz viajar por séculos de pensamento, partindo da antiguidade clássica até os grandes alemães.

A dúvida nos nossos dias é mesmo saber onde foi parar o espírito. A palavra é cara às grandes denominações cristãs, e na melhor das hipóteses, tornou-se um modo de se referir a alguma coisa metafísica. Numa época em que a sede por registros é grande (vide o fenômeno das redes sociais), seria de extrema valia viver numa terra de menos corpos e mais espíritos, segundo o conceito aqui apresentado.

May 30, 2010

Alguns conseguem...silenciar


Informação para todos os lados. Foi assim na década de 90, ainda de forma incipiente, não universalizada e está sendo assim desde o início dos anos 2000, de ritmo cada vez mais frenético.

Mas para que precisamos de tanta informação? Para que precisamos falar tanto? Quem perde estando desatualizado? Repostas convincentes não temos.

Nesta era, há certa competição em torno de quem está mais “por dentro”. Seja por razões econômicas (a lei do mais apto), seja por razões de moda ou tendência. O fato é que todos precisam falar. “Have your say”, dizem os ingleses.

Não entrando no mérito de discutir se o que é dito é ou não é relevante, acredito ainda no silêncio. Na paz expressa pelo mínimo. Silêncio no sentido absoluto. Na “não-expressão”, na falta do que dizer, no muito a sentir.

Recentemente, estive experimentando a sensação de estar duas horas sentado numa cadeira olhando para uma desconhecida. Quer dizer, desconhecida minha, mas uma veterana para o grande público das artes plásticas. Participei da performance da artista iugoslava Marina Abramovic, no Museu de Arte Moderna de Nova York.

A experiência foi perturbadora. Além de incômoda, difícil de aguentar e dolorida. Interessante que depois de certo estágio de consciência, comecei a perceber um pouco da lógica que a leva estar ali o dia inteiro há três meses: a chance de pensar.

É o que acontece com a meditação. E quem medita sabe o quão valioso é o equilíbrio que se alcança quando se tem prática. Mas nisso tudo, a mensagem deveria ser: pense mais, divague mais, saiba mais quem é e o que faz nesta vida. Esteja mais só e menos individualista. 

May 9, 2010

Alguns conseguem...ser independentes




Eis um tema difícil. Independência. O que é ser independente? Inicio com a questão ao meu raro e ilustre leitor. É ser livre? O que é ser livre? É fazer o que se bem entende? O que queremos fazer? É estar bem consigo? E quantos estão bem afinal?

Independência é algo relativo, já cansamos de ouvir isso. É algo que todos buscamos, será que conseguimos? Independência financeira (a mais perseguida), independência emocional (utópica), independência espiritual (nem sempre possível). Há várias formas de se sentir livre, mas será que ser livre é ser independente?

Precisamos sempre nos questionar se tudo hoje não é uma forma de prisão, de achatamento moral. O emprego, o casamento, a escola, os amigos, os amantes. Da mesma forma penso se a verdadeira independência é realmente desejada. Sempre desconfiei de que a liberdade pode ser um bálsamo perigoso.

Mas diria que se conformar com a “vidinha” de cada dia, com as amarras que a vida nos traz através dos processos sociais (casamento, reprodução, acasalamento) pode ser sim uma forma de independência, já que esta bendita palavra não precisa de complemento (independente de quem ou de que? – não se sabe).

Por outro lado, não podemos chamar a independência de liberdade, pois aí já é apelar para uma mentira. Ser livre é algo bem mais complexo e não depende do nosso entendimento, apenas; e sim de ações que poucos tomam de verdade, a maioria é ébria de mediocridade, loucos por um cômodo dia a dia.

May 2, 2010

Alguns conseguem...desejar


                                                                                Foto: Sion Fullana

O desejo. Aquele amigo de duas caras. Serve para chegar à menina mais legal do colégio, mas também pra desejar a mulher do próximo; para levantar a auto-estima e também desdenhar de quem nos quer bem.

As facetas do desejo são conhecidas, não dominadas. Como algumas doenças das quais se houve muito falar, mas que ainda não se tem a cura. O desejo que nos transforma em seres ativos, em verdadeiros caçadores, é também aquele que pode nos destruir. Novidade? Nem um pouco.

Bastar olhar nos contos, nos livros. Cantado, versado, interpretado. O desejo não é a simples paixão trovadora, a que nos faz suspirar. É a carne, o sangue, a dor. Desejo sexual, desejo material, desejo de hierarquia. Não importa qual seja, desejar é querer sem trégua um objeto – humano ou material. É se transformar em um pequeno monstro, ou na mais doce fada, em busca da mais visceral das paixões.

Depois do desejo, a satisfação; a paz; a tranquilidade. A cobra que suspira por um ano após devorar o seu caprino. O desejo é inútil. A sua existência soa como ferramenta para nos manter vivos, sãos, alegres, satisfeitos. O seu ciclo de vida varia, dependendo da maneira com que lidamos com ele ou de acordo com o valor do prêmio final. “Eu desejo o seu desejo”, mera utopia cantada na MPB pois desejo infelizmente é egoísta.

Apr 26, 2010

Alguns conseguem...seduzir


“As pessoas já não têm vontade de estar na moda, elas querem seduzir”. Com essa frase, Yves Saint-Laurent resumiu o sentimento da nossa geração. Ganhar pelo olhar, pelo gesto, ser inesquecível. Um sonho hoje possível, mas não acessível a todos.

Seduzir passou a ser não só um hábito, mas uma condição de vida. Em maior ou menor grau, não é sobre ser aceito que estamos falando, é em como deixamos a nossa marca diante da concorrência. Especialmente entre os mais jovens, é comum a angústia de não se ter uma fila de pretendentes, de não ser o preferido do chefe ou de estar correndo atrás de alguém que não lhe quer (da mesma forma ou de nenhuma forma).

Estar magro, fazer esportes, ser agradável e cordato. Qualidades e práticas básicas significam mais do que são. Claro que existe o benefício de certas ações. Aliás, quem não quer estar abaixo do peso? Mas o seu espectro também pode ser para a vox populi: o comentário geral, dos amigos, dos parentes.

O ritual de sedução tem a ver com o desejo. “O desejo de ser desejado” - motivação básica do ser humano - segundo Heidegger. O medo é que aos poucos percamos o sentido da própria existência, esquecendo que nós é que devemos ao mundo e não o contrário.

Apr 18, 2010

Alguns conseguem...ser o gênero


O conceito de gênero é um dos mais curiosos da espécie humana. Inicialmente ligado ao sexo, logo podemos desconstruí-lo em pedaços tão complexos que fogem à própria razão e entendimento fácil.

Meninos usam azul, meninas rosa. Calças e saias. O grave e o suave. Características intrínsecas de cada sexo, com as quais é difícil teorizar muito sem cair na psicanálise, no símbolo.

De certo não interessa descobrir tudo, até porque as diferenças entre os sexos existem e elas sempre serão respeitadas. O problema acontece quando tentamos inutilmente classificar e banir os seres que ultrapassam o limite do que se deve ser (ou do que se deveria).

Esse limite não existe na prática, só na convenção. Não se restringe apenas em homens efeminados e mulheres firmes; vai à questão do “sentir”. Os transexuais continuam sendo o maior desafio da nossa sociedade neste quesito. Poucos, mas também corajosos, há muitos que passam anos e não se submetem a nenhuma cirurgia, a não ser a de retirada dos seus próprios sentimentos, no dia-a-dia de um mundo massificante.

Feb 27, 2010

Alguns conseguem...ser egocêntricos

Todos querem seduzir atualmente e para isso é mandatório ser egocêntrico

Observando um pouco o comportamento da geração que hoje alcança os 20, 30 anos, tenho um sentimento: quase todos são egocêntricos. É importante salientar que dentro desse “todos”, estão obviamente os de classe media, instruídos e com trabalho com rendimentos satisfatórios.

É impressionante a capacidade de autopromoção de algumas pessoas no seu círculo de amigos, de falar sobre suas vidas, seus maridos, do seu cachorro, do seu cabelo. O que na verdade, seria uma compensação. Não acredito que alguém que não tenha ganho um Oscar, um Pulitzer ou um Nobel da paz tenha motivos para falar de si próprio gratuitamente.

Para a estudiosa Maria Laura Franco, da Universidade de Aveiro, os jovens e suas representações sociais são a mesma coisa. Em outras palavras, “sujeito e objeto co-existem” sendo que para os jovens o ser individual não existe, o que eles querem ser é o que aparece, logo, eles são o que se associam. Em certas idades, a imagem é o indivíduo.

Feb 16, 2010

Alguns conseguem...não fazer drama


Gabourey Sidibe, a Claricee do filme “Preciosa”: sofrer é pouco

O drama frequentemente obscurece as questões reais. Isso é um fato mais do que evidente na história das relações. Aliás, o que seria do sofrimento sem o drama? Uma noiva sem um vestido, um toureiro sem o lenço vermelho, um choro que não derrama nenhuma lágrima.

Sofrer é inerente à condição humana, mas sua demonstração não. Dependendo da cultura, assistimos inesquecíveis formas de interiorização das emoções (vejam os budistas) como também podemos testemunhar verdadeiras indústrias de lenço de papel e água com açúcar. Passar por passagens lamentáveis na vida é uma questão de como aprendemos a ultrapassá-las, uns com muita e outros com nenhuma elegância.

Expressar os sentimentos é importante, mas podemos ter diferentes paradigmas. Ouvir toda a vizinhança em coro uníssono quando se termina um relacionamento pode ser brega, mas é mais confortável e sempre teremos um ombro amigo. Enquanto os outros, os que enfrentam solitariamente uma “coroa de espinhos”,podem querer esperar que os outros também o façam e negar-lhes compaixão. Isso é relativo.

O importante é reconhecermos nas tragédias o que fica e, reativar o mais depressa possível. Não significa que não devemos chorar os mortos nem deixar de assoprar as feridas, mas é um dom saber passar por isso sozinho.

Feb 7, 2010

Alguns conseguem...ser Proust


Proust, por Jacques Émile Blanche

Proust é o autor de “Em busca do tempo perdido”, coletânea de sete livros no qual narra diversas histórias de auto descoberta, com os personagens que de tão ricos emocionalmente, acabam por nos dar uma lição de humanidade.

Apesar do livro incontestavelmente incrível, um dos maiores, aliás, e da sua escrita magnificamente elaborada, esse é um caso em que a obra é maior que o autor. Marcel Proust é, diferente de outros pensadores, uma pessoa normal. Ele não viajou por muitos lugares como Verne, nem tinha fama de conquistador como Byron, pelo contrário, foi tão perdedor quanto qualquer um de nós pode ser.

Até os 28 anos não tinha vida afetiva, nunca trabalhou, era doente e também extremamente hipocondríaco. Pouco sociável, frequentava alguns bailes no hotel Ritz em Paris, mas sempre ficava aos cantos. Era super protegido pelos pais, o que lhe fazia mimado às vezes, apesar de bom amigo.

Uma das suas grandes qualidades, reconhecida por amigos em cartas, era mesmo compreender as pessoas. Sempre delicado, ouvia tudo pacientemente e nunca exigia dos outros o que ele já tinha. Uma mente rica em cultura e conhecimento, conversava muito com o seu motorista. Mesmo após o sucesso, nunca menosprezou um bom diálogo com quem quer se fosse. Até com sua empregada “que não sabia que Bonaparte e Napoleão eram a mesma pessoa”. Talvez esse seja o segredo da genialidade. Ser quem você é e não exigir nada dos outros. 

Jan 31, 2010

Alguns conseguem...se sentir no Haiti


Para contrastar com a atualidade, uma imagem de crianças felizes no Haiti

Falar do Haiti infelizmente já virou lugar comum. Já habitou-se ver nas primeiras páginas dos jornais fotos escandalosamente dolorosas, pessoas em pânico, muita gente nas ruas e faminta. Isso pode não chocar aos pragmáticos, tamanha a urgência dos fatos mostrados e uma certa banalidade da forma que tudo é exposto. Por outro lado, desencadeia uma corrente de desesperados, que com razão, querem de alguma maneira ajudar. 

De qualquer forma, ao ler os depoimentos de jornalistas que estiveram lá e de voluntários, é notório que só estando lá para se ter a real perspectiva do que é um terremoto de grandes proporções que acontece num lugar pobre e caótico. É quase impossível para a maioria de nós, no conforto de nossas cadeiras de escritório, ter sequer uma idéia do que ocorrido, nem no nosso sonho mais escabroso.

Sempre me pergunto se eu conhecesse um haitiano o que lhe diria neste momento. Não sei. Talvez nada, pois é um nada que se cabe dizer nesta hora. Não só neste exemplo, mas quando uma mãe perde um filho jovem em um acidente, um pai de família que se vai por motivos sórdidos, alguém assassinado em um semáforo. O que dizer nesses casos? É impossível sentir a dor alheia, isso é fato. Então, melhor calar e respeitar o momento; ele há de passar, nem que dure anos, como será com a reconstrução do Haiti.

Jan 24, 2010

Alguns conseguem...retornar

Kirstin Scott Thomas e Elsa Zylberstein em "Há tanto tempo que te amo": A culpa é a pior inimiga dos que retornam.

Retornar não é nada fácil. Voltar de um lugar representa reencontrar velhos amigos, voltar de viagem é parar de sonhar, voltar para alguém é o assumir os seus (e o nossos) defeitos. Recomeçar algo é fazer duas vezes a mesma coisa, desta vez trazendo consigo a nostalgia do que é bom e a amargura do que já foi vivido.

Um bom filme sobre retorno. Nada sobre o “Retorno da Múmia” ou o “Retorno de Jedi”. É “Há tanto tempo que te amo”(Il’a longtemps que je t’aime – França, 2008) com a comovente Kristin Scott Thomas. Ela faz uma mulher que depois de cumprir pena por muitos anos, retorna para morar com a irmã e reconstruir a vida. Nesta película, ela desafia a si mesma o tempo todo, vencendo antigos traumas e defeitos, e sem melodramas, tenta encarar a sociedade e seus preconceitos contra “criminosos” (esta história jamais se passaria no Brasil).

É com a lembrança desta história que “Alguns conseguem” retorna. Na sua tentativa de, através de postagens quinzenais, trazer um pouco de reflexão sobre a vida, os costumes e as pessoas. Ou seria em ordem inversa? Comecemos de novo a frase.