Nov 9, 2009

Alguns conseguem...Se reformular



Às vezes é importante jogarmos um papel no chão para que alguem possa pegá-lo

Mais de um ano depois do início deste blog, queria dizer a meus poucos mas estimados leitores que resolvemos parar um pouco e pensar a relação.
Estamos reformulando “Alguns conseguem” para continuar na busca pela compreensão de temas próprios da razão humana dentro de uma linguagem relativamente acessível e contemporânea.
Como diria o padrinho do blog, Friedrich Nietzsche: “Sempre estamos em busca do eterno retorno do mesmo”.
Aguardem novidades…

Sep 20, 2009

Alguns conseguem...ser punidos no Brasil


Guilherme de Pádua, sim, ele mesmo. Assassino de Daniela Perez, é pastor de igreja evangélica de BH. Aleluia impunidade!


Observando matéria da Veja nesta semana, vi algo que sempre nos choca. A impunidade. Nos choca em parte. Não a todos. Se chocasse à maioria, não seria assim.
A matéria (não tão isenta quanto deveria, mas se tratando dessa revista, já está boa) fala sobre Pimenta Neves, ex-diretor de redação do jornal O Estado de São Paulo que, motivado por ciúmes, matou sua namorada, Sandra Gomide, 32. Neves continua impune quase dez anos depois desse assassinato e não tem grandes expectativas de ser preso.
Esse caso é importante mas é só mais um dentro de tantos. Na verdade, ele é simbólico. Um homem que na época, ocupava o centro do mundo “dito” sério brasileiro, o das notícias, o da imprensa, comete um crime bárbaro e se não fosse por um ou dois veículos, cai novamente no anonimato e vai na padaria como eu vou, faz tudo que eu e você fazemos, livre, leve e solto.
Podemos imaginar o que pensam as pessoas sem instrução ou com uma instrução voltada para a violência. Neste caso, levar-se pelo impulso assassino é uma opção, não um temor. O que devem estar pensando também tantos que vão presos, que no contexto que pinto, deixam ser ser réus para serem inocentes, obviamente, apenas na esfera da impunidade – já que a regra é não ter leis para criminosos com cacife.
Só para lembrar: Luiz Estevam, Delúbio Soares, Gil Ruggai, Marcelo Caron, Nicolau dos Santos Neto, e tantos outros – pelo mesmo motivo – também devem estar rindo agora desse post.

Sep 13, 2009

Alguns conseguem...Viver o Câncer

Qual a chave do nosso corpo?

Dentro da história das doenças, ele é imbatível. O câncer é sem dúvida um desafio não só médico. Presente em toda a história, é uma doença na maioria das vezes invisível e por isso, a essa altura – em que presenciamos tantos avanços médicos – ainda se engatinha, ou no máximo, anda-se de velocípede na prevenção e tratamento desse mal.

Curá-lo é possível, porém cercado de eternas variáveis. O diagnóstico precoce, o modo de vida da pessoa, a resistência às químicas. Tudo isso vai determinar o sucesso das terapias. O fator psicológico é também um inimigo ou um aliado. A cara das pessoas quando o doente conta é o negativo. O exemplo de superação para um grupo é o positivo.

O câncer ainda é uma doença fantasiada de morte. Talvez seja. Mas não de forma genérica, não a morte em uma palavra. A imagem da doença e a auto-estima das pessoas é algo inversamente proporcional. Desmistificar neste caso é compreender.

No livro “A doença e suas metáforas”, Susan Sontag, intelectual norteamericana, conversa com o leitor sobre essa imagem. Diagnosticada com um em 1978, ela nos deu um livro esclarecedor que é ao mesmo tempo, um testemunho bonito.

Sontag nos fala da doença como um estado de espírito, algo evitável, um sabor amargo de morte, mas que não é a morte, essa sim, inevitável para todos nós, doentes ou saudáveis.

Aug 8, 2009

Alguns conseguem...Ser negro no Brasil

Cena antológica, 1977, EUA

Sempre fui do contra a tudo o que diz respeito às cotas raciais em universidades e estabelecimentos de ensino público no Brasil. Sempre achei que a inclusão se faz através da ampliação dos benefícios e não da exclusão de parte dos beneficiários. Sem falar que no Brasil, o pobre é o que mais sofre, seja ele de qual cor for.

Continuo achando isso. Porém, depois de uma observação mais critica da nossa realidade atual, refletindo melhor sobre o assunto e sobre o universo ao meu redor, percebo que as coisas não são bem assim. Há racismo no Brasil e ele deve ser combatido através das famosas “ações afirmativas”.

Ação afirmativa é quando você reage a uma norma ou realidade vigente mudando as regras do jogo. Neste caso, estamos falando sim de cotas, de inclusão, de favorecimento dos negros do país. Em detrimento de todo o mal causado pela escravidão? Sim, por que não? Mas não só isso. Precisamos punir o jeito fingido que o brasileiro trata o que não interessa à sua elite. O preconceito de classe também merece ser tratado, mas o do negro é realmente dilacerante.

O negro é sim discriminado hoje, mas na surdina, quase que na brincadeira. Basta ver as seleções de RH para grandes empresas. Basta ver os números de renda e emprego. Basta ver o simples fato de não haver afrodescendentes em pacotes turísticos, em restaurantes caros, dirigindo carros importados (sem ser motoristas).

Basta realizar que a exclusão é flagrante, só não percebe quem não quer. É a melhor forma de resolver? Não. Mas suscita o debate, as pessoas passam a enxergar o que até então é invisível.

Aug 2, 2009

Alguns conseguem...Sair de uma relação

A artista francesa Sophie Calle, cuja obra "Cuide-se" fala do seu último "fora"

As relações humanas são no fundo contratos. Formalizados por gestos, expressões, frases, juras, tudo o que vier na hora do encontro. Dizer coisas não é só o que o conta na hora de julgar a validade desse contrato, muita coisa que não é dita pode ser cobrada e até o que nem foi pensado é sentença nesse documento. Nesse contexto, terminar uma relação amorosa é como virar persona non grata, é como estar jogando pedra na cruz, condenar alguém à morte.

A artista francesa Sophie Calle, que atualmente expoõe no SESC Pompéia, em São Paulo, nos mostra o “fora” por e-mail que recebeu do ex-namorado. Uma obra bem interessante pois nos mostra o quão igual esse gesto é para todos, em qualquer lugar ou em qualquer língua.

Terminar com alguém não é tarefa fácil, mas “ser banido” de uma relação é ainda pior. É quebrar um sustentáculo fundamental da existência. A atribuição de uma cara metade tem ainda uma função social inexplicável.

Dependendo da pessoa, o fundo do poço é iminente e inevitável. Pode-se se recompor rapidamente, ir à festas, encontrar amigos; Ou não, é o escuro mesmo, a depressão, o desprezo, a amargura, chamar os amigos (mas não para balada), escrever letras de musica ou postar no seu blog.

Jul 4, 2009

Alguns conseguem...Morrer

No corredor da vida, por vezes passamos por esse aviso

Com a morte estampada na capa dos jornais e revistas das últimas semanas, só poderia falar dela nessa postagem.

Morrer é diferente para cada um. Dependendo de quem você é, a sua morte será explicada de um jeito. Tomando como base dois fatos marcantes, o acidente envolvendo o avião da Air France em 31 de maio e o falecimento de Michael Jackson, temos aqui um bom estudo de caso.

Toda vez que muitas pessoas deixam a vida simultaneamente por conta de uma tragédia, não existem mortos individuais e sim um sentimento maciço de perda. Neste caso do acidente aéreo, o avião é que foi perdido, ele é um grande cadáver. A grande máquina falhou e levou consigo sonhos e esperanças, pais e filhos, mesmo assim, será ela a lembrada daqui a um tempo. Tal como as asas e demais partes da fuselagem, a memória individual das pessoas se desfez no momento do acidente.

Em relação ao desaparecimento de celebridades, a palavra morte é inadequada. O corpo de um artista é inexistente mesmo quando ele ainda vive. Só existe imagem e essa permanecerá para sempre, sendo a morte o ato final da obra, o epílogo. O processo é o inverso de uma grande tragédia, Michael Jackson sempre existirá e o motivo da sua morte será aos poucos esquecido, dando lugar aos seus videoclipes, quando não depoimentos de amigos.

Morrer é algo subjetivo, mas seja qual for o seu entendimento, deve ser superado (como já fazem algumas culturas, aliás) entendido e encarado sem subterfúgios. Não podemos deixar que a causa mortis, que pode ser sim, terrível, substitua o próprio sentimento de morte, parte do conceito de vida.

May 24, 2009

Alguns conseguem...ser brasileiros

O brasileiro e sua única expressão de patriotismo, a camisa da seleção

O jogador de futebol Ronaldo disse em recente sabatina a um jornal de SP que quer que se eu filho tenha educação europeia e seja europeu, com amigos europeus pois os brasileiros são “malandros”. Nada contra aos brasileiros, mas é assim que ele prefere que sua cria seja crescida. Pois bem, declaração trabalhosa essa.

Primeiro porque ser brasileiro não é uma escolha, ou se é ou não. No caso do seu filho, definitivamente ele é brasileiro. Não só pelo passaporte, mas se você considerar a regra “onde blood drop”, ou seja, se você possui uma gota do sangue dos seus ascendentes, você é também um deles. Ou seja, se ele tem pais brasileiros, ele sempre será brasileiro (e mestiço, diga-se de passagem).
Segundo que por o garoto ter vivido toda a sua curta vida num meio de classe alta italiana, o que foi possível apenas pelos altos salários pagos a seu pai, ele com certeza será educado, mas nem por isso europeu. Para ser algo, é necessário ser aceito pelo seu grupo. Dificilmente ele não terá tarjado em sua testa o nome do Brasil.

De qualquer forma, isso não é importante. O ponto é: Qual o mal de ser brasileiro? Porque Ronaldo não quis vestir essa camisa? Será alguma espécie de trauma?. Também poderíamos nos perguntar se vai ser sempre assim. Apenas o tempo responderá.

O brasileiro antes de tudo, precisa responder ao mundo quem ele é. Um mestiço? Um mulato? Uma pessoa alegre ou que ri por desespero? Enquanto para tudo isso não houver resposta, ficará difícil ser qualquer coisa, inclusive brasileiro.

Abaixo algumas frases que já tentaram definir o Brasil e os brasileiros:

Ser brasileiro é uma coisa única no mundo; é de uma originalidade delirante. Mário de Andrade

O brasileiro não está preparado para ser o maior do mundo em coisa nenhuma. Ser o maior do mundo em qualquer coisa, mesmo em cuspe à distância, implica uma grave, pesada e sufocante responsabilidade.

Nelson Rodrigues

Assim como o brasileiro foi educado para perder, o americano foi educado para ganhar.
Tom Jobim

Se a única coisa que de o homem terá certeza é a morte; a única certeza do brasileiro é o carnaval no próximo ano.
Trecho do livro 'Em Liberdade' de Graciliano Ramos


O brasileiro é um feriado.
Nelson Rodrigues

May 10, 2009

Alguns conseguem...trair

Judas e seu amante, Jesus, traído como todos nós já sabemos

Muito ainda se discute sobre a traição, talvez o último dos tabus medievais do ser humano contemporâneo. Do rico ao pobre, todos a sentem. A temem. A condenam. O traidor na nossa sociedade é alguém malvado, sem escrúpulos, que mente como quem vai ao supermercado. Alguém sem chance de defesa.

Se levarmos a discussão sobre traição amorosa, aí é que a coisa fica complexa e trágica. Primeiro porque existe o mito que amar é se aprisionar, é ser uma espécie de celibatário para uma pessoa. Mas o que seria trair hoje em dia? Pensar em alguém com desejo? É ir ao encontro desse alguém? Qual a diferença entre as duas ações?

Segundo porque a traição pode significar duas coisas diferentes para cada um. Para o homem é o sexo: Alguém utilizou seu brinquedo de uma maneira mais criativa que ele. Para a mulher, o compromisso e a rejeição. Alguém mais bonita passou na frente de casa. Para os dois, algo inaceitável numa relação dita séria (saudade de Sartre e Simone de Beauvoir).

Freud dizia que a fantasia é o caminho certo pra cura. Talvez devêssemos encarar o adultério desse jeito: mais um sonho realizado do que uma questão de caráter. Assim, além de diminuir drasticamente o sofrimento, não usaríamos tanto as leis tipo “Maria da Penha” e espaços nas páginas policiais.

Mar 29, 2009

Alguns conseguem...fazer o que se gosta

Quem nunca se sentiu assim? A maioria...

Já falei sobre vencer na vida e sabemos que não é fácil. Mais difícil ainda é fazer o que se gosta. Esse tema é polêmico, pois existem aqueles que defendem que nem todos sabem o que é isso. Apenas chegam, trabalham e vão embora.

Pode ser. Mas o que se vê cada vez mais são os insatisfeitos que mudam de carreira de uma hora pra outra. Não deixo de pensar nos que não conseguem fazer isso. Uma vida toda carregando o piano. Sem saber o que é de fato defender uma opinião; Não poder espalhar para todos o quão bom você é e sentir orgulho disso.

Uma das grandes vilãs desse processo é a questão econômica. Como a maioria das pessoas começa a trabalhar muito cedo, é muito fácil esperar que qualquer mudança vá lhe levar à beira da miséria. De qualquer forma, renunciar ao prazer no ofício é como ser um estrangeiro naturalizado: cedo ou tarde alguém vai notar que você não é dali e isso dói muito.

Mas quem se importa? Voltando ao início, insisto que não é para todos esse tipo de decepção. Nem toda estrela brilha, nem todos possuem a sua estrela, nem todos possuem céu ou horizonte.

Mar 15, 2009

Alguns conseguem...amar os animais

Santa Dog - Deve ser difícil ser um bicho de estimação

Me deparo sempre com pessoas que dariam a própria vida pelos animais. Digo, pelos seus bichos de estimação. Qual a diferença? Explico. Os animais são seres de várias espécies que habitam o planeta terra juntamente com os seres humanos. Os bichos de estimação também são seres de várias espécies “dotados da árdua missão de servir aos seres humanos”.

É comum nos ultrajarmos com todo o mimo que especialmente gatos e cachorros recebem como se fossem meros brinquedos. Mas é o que eles são na nossa sociedade. E que como qualquer produto, têm seu ciclo de uso. Sem abordar outras problemáticas do meio, como os zoologicos, o consumo de carne etc, falemos dos ditos "domésticos".

Dar um bichinho de presente não é um gesto 100% condenável. Você permite que aquele que foi abandonado tenha um lar decente e o mínimo de cuidados que favoreça sua sobrevivência. Mas quando a coisa atinge a economia de mercado a situação fica cruel e repetitiva.

O processo começa com a escolha: a raça, o pedigree, a linhagem. Tudo isso altera o preço, raças que valem mais ou menos, dependendo do que é cool no momento. No período de “uso” do bicho, eles ficam trancados dias inteiros, só existindo para seus donos nos fins de semana. Ou são obrigados a passeios intermináveis - às vezes até dentro de carrinhos de bebês - que para quem tem o corpo coberto por uma grossa camada de pelos, deve ser de um calor infernal.

Por último, o descarte. Em média, após oito ou nove anos, o totó ou o miau não tem mais aquela alegria e não encanta tanto aos pequenos, que já pedem a compra de mais um “irmãozinho”. Ele vai ficando mais e mais no quartinho de empregada até que num belo dia, o tormento acaba com uma ida ao veterinário; sacrifica-se. Isso na melhor hipótese. Ainda tem aqueles que como sobras de uma grande indústria, são destinados ao lixo, que são as ruas e os bares. Com um diferencial, neste caso não há reciclagem.

Feb 28, 2009

Alguns conseguem...estar sóbrios

Amy Winehouse: brilhante e viciada ou viciada e brilhante?

Num mundo cheio de preconceitos e problemas como o nosso, fico pensando no papel que os viciados de hoje desempenham. Seja para justificar cada vez mais a virtude - os digníssimos exemplos do nosso meio - seja para nos lembrar que há algo de podre no reino da Dinamarca.

Temos uma coleção enorme deles. Há os vícios já folclóricos, como o de trabalhar ou o sexo. Também tem os clássicos: drogas lícitas e ilícitas, roubo, compras, mentiras, status, manipulação, entre outros.

O fato é que nunca se soube bem se os que vivem à margem são causa ou consequência. Se são figuras a serem redimidas e trazidas à tona, ou se de tanta clareza e racionalidade, saíram para um mundo em que o que entorpece ajuda a não magoar suas piores feridas descobertas.

Ser viciado é um problema, disso não há dúvida. A questão é: qual o contrário disso? A virtude? A chatice? Margareth Mead dizia que virtude é quando se tem a dor seguida do prazer; o vício, quando se tem o prazer seguido da dor.

Não estou certo se depois de exercer o vício, sente-se dor - duvido que mais do que quem esteve sóbrio. Sei que sente-se culpa, basicamente as que os "sãos" imputam, talvez por não poderem se juntar a essa tentativa de vida.

Feb 14, 2009

Alguns conseguem...viver no campo

O Violeiro, Almeida Jr.

"Eu quero uma casa no campo"- Já dizia a nostálgica Elis Regina nos anos 70. Aliás, não só ela. João Bosco (Rancho da Goiabada) e Zé Ramalho (Vida de Gado) também fizeram sua apologia à suposta cultura do interior brasileiro. Aliás, esse mito também sempre existiu na TV. Basta olhar as novelas. Quantas histórias já se passaram em cidades pequenas: O Bem Amado, Roque Santeiro, Irmãos Coragem, só para ficar nas mais conhecidas.

Vamos lá. O homem do campo é bom, mas o da cidade também é. Os valores rurais são antigos e tradicionais, mas isso não quer dizer nada. As tradições aprisionam, o controle social enrijece vidas que poderiam ser mais interessantes; sempre penso nas pessoas que poderiam mudar o mundo e que podem estar aprisionadas em um cartório, em uma venda ou até em uma indústria, apenas pela falta de oportunidades de fazer mais e melhor. Deixar de viver na cidade pode ser mais barato, mas também tem o seu preço.

Não me compreendam mal. Nada tenho contra em morar numa cidadezinha de 10 mil habitantes ou até em cidades que pretendem ser grandes, mas possuem mentalidade inversamente proporcional ao seu número de habitantes; tudo pode ter seu charme. Olhando pela perspectiva de um idoso ou de um incapacitado, não deve existir nada melhor que acordar de manhã com o orvalho escorrendo pelas janelas ou com qualquer outro espetáculo da natureza na sua porta.

De fato, trocar o sossego por uma cultura cosmopolita, acelerada, pode lhe tirar alguns anos de vida. Todavia, para qualquer ser humano em idade economicamente, socialmente e sexualmente ativa, não existe nada melhor. Apenas a cidade civiliza, pois abriga as diferenças, o interior as deixa mais evidentes. Além disso, não precisa ser minoria para querer ter a sua intimidade preservada. É muito bom não ter que explicar quem era o rapaz que entrou no seu apartamento às 03h da manhã; ou ninguém reparar na sua roupa que está abarrotada ou porque você se separou do marido.

O ser humano é um bicho mutante. Algum lugar deste planeta deve funcionar como um laboratório de experimentações, de novas formas e estilos de vida, só assim a cultura vai se expandindo. Este lugar é a cidade e quanto maior ela for, melhor vai cumprir essa função. É certo que nem todo mundo reflete sobre a própria existência e nem faz questão de transgredir, isso é para a minoria pensante. De qualquer forma, a vida faz mais sentido quando damos vazão aos caprichos da vivência e não apenas quando nos preocupamos com o pão de cada dia. Nem que seja para daqui a 30 anos, tudo o que de mais emocionante que você tenha para fazer seja assistir carneiros e cabras pastando solenes no seu jardim.

Jan 31, 2009

Alguns conseguem...manipular

Big Brother - Forma contemporânea de dominação

Andei pensando nos últimos dias nas diversas formas de manipulação de um ser humano por outro. A Comunicação estuda muito isso, assim também como faz a Antropologia. De certo a dominação está presente também no reino animal, porque não estaria no mundo humano? O fato é que este tipo de relação ganha “roupagens” diversas em cada sociedade, dependendo apenas da história para agravar esse ou aquele ponto de oportunidade, em favor de algum espertalhão.

Na semana do aniversário da volta do Aiatolá Khomeini ao Irã, penso na manipulação religiosa. A mesma que levou 10 milhões de pessoas recebê-lo de braços abertos em Teerã ; a mesma que faz as pessoas acreditarem em perseguição do inimigo no desabamento do combalido prédio da Igreja Renascer. O que também acontece com os rios de dinheiro que brotam da Igreja Universal. Se a dominação de massas virasse petróleo, ali com certeza seria a Arábia Saudita, ou mais chique, Dubai.

Mas não só os religiosos se prevalecem das habilidades neurolinguísticas para conseguir o que querem das massas. A Televisão também é mestra na arte de conduzir. Não só no Brasil, não só a Televisão. Mas se atendo a este meio de comunicação no nosso País, há muito pano pra manga. Por exemplo, falar de todos episódios nos quais a TV Globo conseguiu implantar uma cultura ou até mudar decisões importantes do país é lugar-comum.

Hoje, o Big Brother é umas das mais recentes tentativas de fidelizar o telespectador, de mudar seus hábitos, de gerar novos ídolos e com isso, dinheiro. O BB consegue em maior ou menor medida, transformar pessoas comuns em formadores de opinião. Começo a chegar à uma conclusão um pouco triste, que não é novidade. O ser humano adora dominar e mais ainda, ser dominado.

Jan 18, 2009

Alguns conseguem...vencer (n)a vida

Armadilha para executivos - Gravura. Regina Silveira, 1974

Tenho me questionado sobre o conceito de vencer na vida. Como qualquer mortal do ocidente crescido no ultimo século, é claro que presenciei bastante esse tipo de comentário. “Fulano vai vencer na vida”, ouvimos o tempo todo. É engraçado que vencer na vida é primo do “ganhar a vida”. Ambos são formas de enxergar a sobrevivência.

Chama-me muito a atenção o conceito de “se dar bem” estar associado à questão material (ganhar dinheiro) e individual (a vida é sua). À como os indivíduos se desenvolvem num contexto competitivo nascidos para ganhar. Sendo que a grande metáfora está no fato que "vida" acaba tendo um sentido impressionante de "coisa", o mesmo que "muralha" ou "guerra". Vencer a vida talvez fosse algo mais adequado.

Não chego a uma conclusão sobre qual o significado exato de se vencer na ou a vida e provavelmente isso será assunto em outros posts. Mas se chegasse, provavelmente diria que a saída para este tipo de aprisionamento moral está mais nas pessoas (amigos, amores, prazer) do que nas coisas (emprego, carro, apartamento). Nunca vencemos algo, vencemos sempre alguém - nem que seja a nós mesmos. Portanto, vencer o vencer na vida seria uma forma de traduzir o esforço que temos para derrotar a gente e seus preconceitos; de ter nossas falhas e pestes ocultas; de não querer ser o animal que consegue comer ração de primeira.

O Vencedor Vencido

Não é fácil amar o que venceu,
o que leva alguns passos de avançada,
que o amor só se oferece ao que perdeu,
muito embora com culpa declarada.
Todavia, o que vence multiplica
sobre si as angústias de perder:
interroga, analisa e só complica
aquilo que não pode perceber;
e quando, em esgotamento prematuro,
ele aceita uma calma provisória,
vêm os homens que o lançam contra o muro
e lhe atiram ao rosto essa vitória.

Isabel Gouveia, in "Tangentes e Consequentes"

Jan 10, 2009

Alguns conseguem...ser adultos

Saiorse Ronan como Briony, a cara já diz tudo.

Estive nos últimos dias assistindo ao filme “Desejo e Reparação”(Atonement, 2007) e um ponto da trama me chamou bastante atenção. No filme,a personagem da atriz Saiorse Ronan, Briony, vive espionando sua irmã e seu namoradinho, enquanto escreve e imagina situações reais ou imaginárias. Não veria problema se por causa da crescente inveja e rancor – alimentados pela escrita – ela não criasse uma mentira que afastaria sua irmã do namoradinho para sempre.

Me perguntei durante o filme, qual seria a sua maior motivação para que ela agisse assim. Inveja? Com certeza, mas não só isso. Observei muita impotência nas suas atitudes, muito sofrimento por não poder concorrer com a sensualidade e rebeldia da irmã. Muita dor por não ser enxergada como gostaria pelo galãzinho. Isso é perigoso. Especialmente quando se é criança ou adolescente - Quando os sentimentos muitas vezes não casam com o corpo e com a cabeça que se tem. Cheguei à conclusão que se ela fosse adulta, poderia ter agido diferente. Fosse jogando o seu charme, fosse sufocando as mágoas com outro alguém. Não importa.O ato foi infantil e é assim que agem as crianças que não podem lutar como adultos, embora psicologicamente estejam entre eles. Ser imaturo não é um problema, quando se respeita os limites da ação e da reação - Quando as armas são as mesmas dos seus inimigos.

Uma criança manipular a verdade que contenha conceitos dos quais ainda não faz parte (como amor, traição, sexo) é tão perigoso quanto um adulto aproveitar a confiança que dispõe da família para se aproveitar sexualmente do pequeno (que às vezes nem é tão inocente assim, mas enfim, todo tipo de coação é condenável); e nessa história, os menores de 18 anos podem ser tão maníacos quanto qualquer adulto - os convencionais culpados. Não esqueçamos que ambos são seres iguais, apenas em estágios diferentes.