Jan 24, 2011

Alguns conseguem...ter um nome

Memorial das vítimas de 11/09, em Knoxville, EUA

O que é um nome? Os apressados diriam: “um rótulo!”, “uma generalização!”, “um conceito”.  Nomes existem desde sempre e uma das primeiras reflexões feitas no Ocidente sobre o assunto vem da Bíblia e sua centena de nomes para tudo e para todos, além do segundo mandamento. Nomes para pessoas, nomes para coisas, nomes para sentimentos. Tudo tem um nome e este vem obedecer à lógica cultural a que estamos submetidos. Estudos dizem que até os golfinhos se dão nomes. Nomear é um serviço útil e simbólico, usado e abusado pela Semiótica.

Dependendo do campo, estudar os nomes pode ter diferentes abordagens. Estudar nomes próprios de pessoas é analisar o social, o psicológico, o antropológico. Entender os nomes complexos das fórmulas e espécies já requer conhecer Biologia. Independente disso, o exercício cognitivo do batismo parece o mesmo em diferentes ambientes. O batismo religioso no nascimento parece só revestir de indumentária o que homem faz em segundos, apenas observando o ser ou objeto nomeado. Um nome que é concedido pela história, pelo mérito ou simplesmente pela estética. O mesmo nome tem razões diferentes de ser. Até que ponto é grotesco ou honroso chamar um aeroporto de Tom Jobim? Ou Leonardo Da Vinci?

Nomes fazem lucrar. Não só o lucro comercial de uma marca, mas também o capital emocional e simbólico de quem carrega um nome bonito, expressivo. Por exemplo, sempre quis ser da família Greenglass, por achar um nome bonito e histórico. O poder das Marinas: Marina Abramovic, Marina Poplavskaya, Marina Silva, Marina Morena de Caymmi. Maria como a eterna mãe; Davi, o lutador; Hitler, o mal encarnado. Ironicamente, os antigos reis precisavam de adjetivos acrescidos aos seus nomes: Felipe, o belo; Ricardo, coração de leão, entre tantos outros. O nome complementa o sentido semiológico de “primaridade”, ou seja, o sentimento como qualidade, o in totum – o que não precisa de explicação para existir e que atravessa as línguas dentro do mesmo sentido – amor sempre será amor, seja qual for a tradução.

Nomes aprisionam. Ao criar heterônimos, Fernando Pessoa rejeitou sua unicidade como artista. É compreensível, pois, seja como for, apesar de sua importância, o nome já pertence à um tipo de matéria, a uma construção posterior ao instinto, à emoção, tema tão caro também à Clarice Lispector (“O que desejo ainda não tem nome”). Não que chamar também não evoque os sentidos, afinal, como soa diferente o seu próprio nome chamado pela pessoa amada?. No entanto, ainda sou partidário de que o sentido de tudo está no invisível ou se podemos vê-lo, ele é um gesto, uma fração de segundo de uma intenção, de um olhar. Nomes são fenômenos úteis e nem sempre viver tem algum sentido prático.

Dec 5, 2010

Alguns conseguem...ser anônimos

                                                                                                                                                  solarider
Beira a utopia falar em anonimato, considerando que a própria existência já demanda uma afirmação, uma explicação autoral – filho de quem, primo daquele, bastardo do outro.  Mesmo que não lhe deem um nome próprio, sempre vão lhe chamar de alguma coisa: ser humano, bebê e em última escala, brasileiro. Mas não vamos desistir do assunto.

Entre muitas questões, a que mais parece sem resposta é quando se quer e quando não se quer aparecer. O “ser ou não ser” da nossa época está mais ligado ao sentido de assumir, de se tornar público. Uma aplicação do problema está no contexto cultural. Muito antes da discussão do direito financeiro do autor, há um problema relativo ao “ego” em torno da paternidade ou maternidade de um produto. Uma obra de arte, por exemplo, depende muitas vezes do nome do seu autor para que a sua própria exposição aconteça, a obra anônima tende a ser considerada mais como um artesanato.

Seja como for, em tempos em que o pensamento está em rede e a cultura está cada vez mais ligada ao ciberespaço, é próprio pensar se há espaço para todos se revelarem ou se todos estão comprimidos num mesmo espaço. O antropólogo Pierre Levy pensa que se por um lado tivemos um século (XX) em que a individualidade amadureceu e os direitos civis fizeram que cada um pudesse ser quem é sem prejuízos, por outro, a conectividade acaba destruindo as “estrelas solitárias” e transformando tudo numa “inteligência coletiva”, todos,que pensam ser diferentes, fazem e são a mesma coisa: anônimos.

Vamos aqui entender o anonimato não como uma tentativa de não estar, mas de esta mas não ser visto, aparecer. É uma discussão interessante, especialmente com muitos paradoxos dentro da “galáxia da internet”, conceito de Manuel Castells. Ver seu nome aparecer num mecanismo de busca não é ser famoso, mas também não caracteriza o extremo anonimato.  No mundo real, é tentador confundir o anonimato e a solidão, ambos são ethos próprios das grandes cidades. Há um outro lado, o de poder ser vítima da micro notoriedade, o famoso “nome sujo”. Seja ao “aprontar” com o Estado, tornando-se um criminoso, seja cometendo pequenos vexames morais e sexuais, expondo-se ao deleite e à crítica da nossa própria família. Neste caso, vivemos numa grande falácia, num mundo que cada vez mais nos controla e menos nos reconhece na nossa individualidade.  

Sep 27, 2010

Alguns conseguem...herdar

Rainha Victoria (1819-1901) Um dos raros exemplos felizes de herança no poder.


Tenho certa implicância com quem herda. Herdar é uma palavra muito ampla, que vai desde a parte legal da coisa – herdar dinheiro, por exemplo – até quando se recebe hábitos, traços e manias dos outros. Desde sempre, a herança é vista com desdém, especialmente por quem não herda nada, ou acha que não.

Mas a minha birra com quem herda está mais relacionada à ética. Herdar demanda um certo conjunto de princípios que poucos possuem. A modéstia e a capacidade de ocultar, esconder a origem daquilo que se ganhou. A herança é legítima?Nem sempre. Existe o “golpe do baú” para dizer que não, existe a nossa própria cara para denunciar o recebimento involuntário dos nossos pais, talvez a única herança automática, a biológica.

Isso nos faz pensar sobre o direito de herança. Se por um lado, herdamos sem querer, por outro queremos ter esse direito. Queremos herdar o capital, seja ele simbólico, afetivo ou material e herdar como agente ativo é a mais interessante forma de receber algo, é querer e às vezes merecer aquilo.

Herdar é sempre ilegítimo? Se estivermos falando do capital material transformado em dinheiro é sim. Ou até sermos nós próprios os herdeiros. Se alguém deposita um milhão de reais na sua conta e diz que é seu, haverás de recusar? Com toda certeza não. Os menos corajosos podem até perguntar a sua origem, mas devolver, jamais. Apenas a herança dos outros deve ser abolida. Que o diga, nossa quase futura presidente, Dilma Rousseff.